"O que não dá prazer não dá proveito. Em resumo, senhor, estude apenas o que lhe agradar."

William Shakespeare

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O Destino de Maria - Por Stephany Christini ;)

"A Câmara Brasileira de Jovens Escritores foi fundada em 1986 com uma proposta pedagógica bem definida no art. 1º do seu Estatuto: "... incentivar a produção literária de jovens autores publicando em livro suas poesias, contos, crônicas, romances ou qualquer outra forma de expressão literária..." 
Escrevi um conto, que foi selecionado pro livro deste mês *_*   o " Contos de Arrepiar" que possuí outras expressões literárias, de outros atores, sendo eles professores, arquitetos, aposentados.. e que pela seleção, mereceram estar no livrinho de Fevereiro =).  Agora, vou compartilhar com vocês, o meu texto ;) 


O Destino de Maria

Naquele fim de tarde do ano de 1960, com as águas de Março fechando o verão; assim diria Tom Jobim em 1972, Maria Silva Peixoto veio ao mundo, carregando um enorme peso nas costas apesar de sua estrutura física frágil e de sua inocência absoluta.
Maria carregava o enorme fardo de ter nascido Maria; filha de Carmen Rosa da Silva Peixoto e Carlos Arruda Peixoto, pais, educadores e absolutamente corretos.
Aos três anos, a pequena Maria costumava olhar as pessoas que passavam em frente ao portão de sua casa sem entender a diferença nas feições de cada uma. Sentada no colo de sua mãe, e rodeada de brinquedos, nossa menininha olhava com seus pequeninos olhos castanhos escuros os rostos que passavam e sorria para todos; já sua mãe, encarava - os com diferença e desconfiança.
Aos sete, Maria fazia balé. Era encantador vê-la dando seus passinhos leves e suas piruetas desajeitadas. Sentia-se bem, pois já conseguia entender melhor alegria e tristeza, dessa maneira, notava que nos olhos de sua mãe, transbordavam uma imensa felicidade.
A Sra. Carmem ministrava aulas de português em um colégio só para meninas, onde Maria fazia o papel de filha e aluna. Conversando com uma de suas poucas amigas, Maria dizia o incômodo que sentia ao notar que sua querida mãe e professora, já não sorria mais ao vê-la dançar. Assim, nossa bailarina, aos 13, abandonava as sapatilhas.

Passados dois meses após o aniversário de 15 anos de Maria, nossa adolescente, saiu acompanhada de seu pai, o Sr. Carlos, para assistir a uma apresentação de piano de um rapaz chamado Murilo Leccione. Nunca o esqueceria. O que sentiu lhe marcou para sempre. De olhos fechados, Murilo, deslizava os dedos pelas teclas do piano por onde o som se fazia maravilhoso e cativava a todos, que hipnotizados, acompanhavam o rapaz sem nem piscar os olhos. Maria desejou ser Murilo, invejou seu talento e sua paixão, e lembrou-se dos seis anos em que fez balé. Todos aqueles anos de dança e nunca sentira um arrepio que fosse...
Passados mais algum tempo, Maria pensava na carreira que seguiria. Uma ótima advogada. Faria até o impossível para que tudo ocorresse como planejava. No momento, estava se alimentando da felicidade do seu querido e amado pai. Seguiria o ideal Carlos Arruda Peixoto.
Assim, depois muito estudar e obter sucesso, Maria, preparava-se para o final de seus estudos, e nesta época, foi surpreendida por algo que pensava não entender, mas achava que realmente estava sentindo. Conheceu Luis Guilherme Vilela, o homem que dizia amar, por ser estudado, possuídor de uma boa aparência, e de uma boa família.
Depois de seu casamento, Maria passou a frequentar lugares importantes e a conhecer pessoas importantes. Estava muito bem, achava. Trabalhava muito, seguia em frente sempre e não olhava para os lados. Comia e bebia do bom e do melhor.
Assim, passou pelos anos, esforçando-se sempre; porém, de vez em quando, lembrava-se de Murilo, o rapaz do piano. Tentava entendê-lo e imitá-lo em suas ações, mas até o momento não havia obtido êxito.
Vítima de um câncer na garganta, O Sr. Carlos faleceu quando Maria completara 32 anos. A senhora Carmem, negou-se a ir ao velório, pois segundo ela, não queria ver seu marido ali, no final de tudo. Maria foi sozinha ver o pai e lembrou-se de tudo o que fizera para agradá-lo. Não sentiu. Nada chorou e também não sorriu. Pela primeira vez, entendeu.
Após alguns meses, sentada na poltrona de sua casa, Maria refletia sobre sua vida no momento. Não tivera filhos, pois ela e o marido acreditavam que pela carga de trabalho que possuíam, não havia tempo para mais ninguém, além disso, o Sr. Luis Vilela não gostava muito de crianças. Maria sentiu-se só e até pensou na possibilidade de abandonar o trabalho, pois, realmente acreditou que pesava; porém, era também o que a mantia viva, e botou na cabeça que nunca mais pensaria nessa possibilidade de novo. 
Aos 45 anos, Maria já apresentava problemas de saúde. Não se preocupou muito, pois a medicina daria um jeito, ou não. Fato. O que não entendia é que a figura de Murilo, justo agora, aparecia mais nítida em sua mente e com maior freqüência. Não sabia explicar o porquê.
Neste período, o Sr. Luis Vilela precisou viajar e passaria pelo menos seis meses fora podendo prolongar, a Sra. Carmem passava sua velhice em uma casa de repouso e não gostava muito de visitas, nem mesmo a da filha.  Já Murilo, continuava na mente de Maria, e mais do que isso, ela já o via caminhar por sua casa com aquela expressão que nunca esquecera.
No dia 22 de Março de 2010, Maria, sofreu de um ataque cardíaco, fulminante. Morreu em casa e sozinha.
Poucas horas antes de partir, Maria olhou para os lados e viu que estava só e desamparada. Pela primeira vez; Chorou. E pensou em Maria Silva Peixoto, o seu eu, que nunca fora eu, na verdade. Um corpo totalmente desprovido de vontades próprias, de sonhos e de amor verdadeiro. Uma vida breve que se passou por um caminho cinza e não decorado. Fechou os olhos e pensou em quando era apenas uma criança. Sentiu uma brisa lhe refrescar a alma e lembrou-se de como essa pureza é milagrosa. Desejou nascer de novo e ver o mundo através de pequeninos olhos. Não deixaria que a vida passasse por ela novamente, e sim, passaria pela vida. Olhou pela janela e viu Murilo em sua frente, tão nítido como em carne e ossos. O rapaz lhe estendeu a mão e sorriu. Maria sentia a dor diminuir e naquele momento a paixão que o rapaz do piano lhe passara quando tinha apenas 15 anos e que ela tanto buscou, lhe correu pelo corpo fazendo com que seu sangue fervesse dentro de suas veias, até chegarem a seu coração que nunca experimentara essa tal emoção tão aquecida.
Maria Silva Peixoto deixou este planeta, no mesmo mês em que chegara a ele, “[...] com as águas de março fechando o verão e com uma promessa de vida sem seu coração. Pau, pedra, fim, caminho, resto, toco, pouco, sozinho, caco, vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol. São as águas de março fechando o verão, é a promessa de vida no teu coração. (Águas de Março – Tom Jobim)




Stephany Christini
13/02/2012





  

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012